17/05/2012

"É na terra não é na lua" - crítica ao filme

“É na terra, não é na lua” empresta-nos a entranhável ilha do Corvo emergida do imenso Atlântico azul. Dos temas que atravessam diametralmente a obra, o da memória releva com intensidade. Aliás, de entre os louros já alcançados pelo filme o mais grandioso é o de figurar na História, porque o documentário é ele mesmo memória.
Tocha e Dídio invadem um casulo colectivo que, passada a resistência inicial, se lhes torna permeável e se dá a conhecer de forma generosa. E assim, são inscritos nomes próprios nos rostos daqueles que conhecem o cais, a igreja, os baldios e os desígnios de um mar belo mas muito caprichoso. Os movimentos rotineiros das gentes da ilha, fruto de uma experiência empírica centenária, embrenham-nos numa reflexão racional sobre a genuinidade do Homem, a origem do Bem e do Mal e os artifícios culturais, espirituais e até políticos em que sustentamos a existência.
Tocha mergulha na ilha e arrasta-nos com ele num encontro não só com o Belo mas também com o raro. A ancestralidade da paisagem dá passo à criação de um imaginário povoado de lendas algumas delas enlaçadas a factos que atestam verosimilhança, como se o místico necessitasse do real para se justificar. A par do sublime pitoresco a sugestividade fónica concilia sons da natureza e dos animais com sons fabricados pelo Homem como são a música e a fala corvina tão peculiar e melódica. No final a sensação de perenidade da ilha contrasta com a finitude do homem retratada nas ossadas que ficam para trás e de onde se expurgou a vida. Numa palavra, icástico.

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